22/11/2009

Board Room

Bem vindos a mais um capítulo do Back To Single Fins. Devo confessar que nesses dois meses passados o blog foi esporadicamente atualizado, consequentemente muitos leitores perdem a linha de raciocínio devido a inércia entre as atualizações. Este escritor e historiador explica que final de semestre as obrigações se acumulam e sobram muito pouco tempo para escrever, neste hobby que eu amo tanto.

Assim como o lançamento do filme Riding Giants que foi um grande sucesso, está para vir em 2010 o filme Board Room, norteado simplesmente aos shapers da época de 50 e 60. Shapers como: Michael Hynson, Donald Takayama. Bill Stewart, Rich Harbour, Terry Martin, Bruce Jones, Dick Metz, Renny Yater, Hap Jacobs, Robert August, Bing Copeland, Dick Brewer, and Larry Gordon. Não há o que se falar além de esperar para ver o que acontece.

De tantos nomes famosos de shapers, o principal, o maior shaper da época, o maior empreendedor não está entre esses neste filme. Não menosprezando os demais, mas, falta um pouco de Greg Noll, e claro, Pat Curren, no filme.

19/11/2009

Leroy Grannis: Parte III

John Severson, realizador de filmes de surf editor de publicações na mesma área, foi um dos primeiros a explorar o potencial das fotografias de surf em publicações especializadas. Em 1960, publicou The Surfer, um caderno de trina e seis páginas com fotografias e desenhos de sua autoria, que pretendia vender nas exibições do seu documentário Surf Fever. A publicação registrou um grande sucesso e a primeira tiragem de 5.000 exemplares esgotou rapidamente. Em 1961, avançou com uma edição trimestral que, um ano mais tarde, se tornou bimestral. Severson contratou uma pequena equipe e tornou-se editor integral. Em breve, Grannis iniciaria uma colaboração com a revista Surfer e com a efêmera Surfing Illustrated.

As primeiras revistas de surf resumiam-se a projetos de garagem, criadas e distribuídas no circuito fechado dos adeptos deste esporte. Quando surgiu a Surfer, a imprensa era um meio de massas que começava a abrir as portas à editores com orçamentos limitados, como Severson, e os gigantes do cinema tinham começado a explorar este esporte em filmes como Gidget (1959) e Ride The Wild Surf (1964). Na Califórnia do Sul, as fotografias dos surfistas em ação e o grafismo colorido do surf atraíam a indústria televisiva e cinematográfica de Hollywood. “De repente, surgiu a oportunidade de distribuição maciça de uma imagem feita pelas nossas mãos”, afirma John Van Hamersveld, antigo diretor artístico da revista Surfer e criador do lendário cartaz fluorescente do filme The Endless Summer. “Através das revistas ou dos filmes de surf, a media levou esta pequena cultura isolada até os produtores da cultura de massa”.


Em 1966, a “mania” do surf de há cinco anos tinha se tornado uma verdadeira cultura para os jovens, a qual não faltava uma linguagem, música, moda, publicações, carros e um código de honra próprio. O interesse do grande público no surf atingia níveis inéditos, fazendo a fortuna de um pequeno cartel de fabricantes de produros de surf da Califórnia do Sul, também conhecido como “Dana Point Máfia”. Este esporte ainda na sua infância, que mais se assemelhava a uma religião do que um passatempo de fim-de-semana, beneficiou de um forte impulso mediático com o lançamento nacional nos EUA, em julho de 1966, do filme The Endless Summer realizado por Bruce Brown. Este documentário criativo e acessível proporcionou ao mundo desconhecedor do surf (as “legiões de frustrados”, como o grande surfista Phil Edwards lhes chamava) a primeira perspectiva legítima da cultura do surf insular, tendo despertado um enorme interesse. Estava aberta uma nova corrida ao ouro.

Em San Diego, os edis da cidade e os organizadores do campeonato mundial de surf não acessavam de se congratular mutuamente pela respeitabilidade que surf adquiria nos últimos tempos. Com o campeonato que se avizinhava, a organização esperava inverter uma maré de “hooliganismo no surf” e má fama que acossavam o esporte desde a sua primeira explosão, na sequência do lançamento do filme Gidget. A câmara de comércio de San Diego registrou um forte aumento do turismo, à medida que este esporte de praia atrativo e de rápido crescimento conquistava a atenção da juventude consumista do país a um ritmo alarmante alucinante.



Ao mesmo tempo, porém, começava a instalar-se uma onda de conservadorismo neste modo de vida outrora boêmio. Uma campanha liderada sobretudo pela revista Surfer de Severson tentava extirpar os elementos “indesejáveis” do meio surfístico. A linha editorial da revista ganhou um tom mais peremptório, com editores convidados e cartas de leitores escolhidas a dedo se regozijavam com a derrota infligida pelo surf organizado aos desordeiros deste esporte, também conhecidos como hodads, que tinham manchado o nome do surf com partidas de mau gosto e uma conduta pouco própria para com as figuras de autoridade. O surf “já não é apenas para excêntricos”, declarou John Hannon, um dos principais fabricantes de pranchas da Costa Leste, numa entrevista à Newsweek. “São jovens limpos e bem arranjados, que não tolerarão os desordeiros”.



O tiro de partida da “Revolução das Pranchas Curtas” e a conseqüente desintegração da simplicidade do meio surfístico do princípio dos anos sessenta, foi disparado a 2 de Outubro de 1966, em Ocean Beach, San Diego. Foi nesta praia que, com o céu nublado e uma fraca ondulação, Nat Young venceu o campeonato mundial de surf com uma abordagem radical e incisiva, que deixou a elite da altura boquiaberta. Quando David Nuuhiwa, o pequeno havaiano favorito, famoso pelos seus longos e elegantes noserides, insistia com Young que era preciso formar uma comunhão com a onda, este respondia dizendo que não queria uma comunhão com nada. A retórica de Young era tão impertinente como o seu equipamento. Ganhou o campeonato com uma “Magic Sam”, e uma prancha que ele próprio fizera e que media 9,4 pés (2,90 metros), um pé (30 cm) a menos do que o padrão da altura. Concebida em conjunto com outro australiano, Bob McTavish, a prancha estava equipada com uma quilha comprida com um formato de uma cimitarra, que tinha sido criada pelo excêntrico guru do surf norte-americano George Greenough. Da noite para o dia, uma geração de pranchas de surf robustas e sofisticadas viu-se condenada à condição de peças de museu em virtude de uma evolução drástica ao nível da tecnologia, das manobras e das mentalidades. Com a vitória de Young, o surf sofreu um abalo nas suas convenções que durou mais de dez anos. O grande Young, cuja alcunha “The Animal” se devia ao estilo viril, tinha acabado de mostrar o futuro ao mundo do surf. Antes de 1966, a manobra era o hang ten, mas agora valia tudo. Chamavam-lhe “surfar com a mente” e, na opniào de Paul Gross, jornalista da revista Surfer, era “uma deserção em massa de tudo aquilo que acontecera antes”. Porém, na altura, ninguém pareceu dar por isso.


Ao mesmo tempo, as drogas psicodélicas invadiram a cultura do surf como um incêndio descontrolado, abrindo algumas mentes e dando cabo de outras. O surf tornou-se introvertido e alternativo, os jovens que usavam roupas Jantzen deixaram crescer a barba e aderiram a um misticismo Zen militante. Os campeonatos deixaram de se interessar e ninguém queria saber quem ficava em primeiro lugar. Era uma postura de total desinteresse. De repente, o surf deixara de ser um desporto com manobras e troféus, passando a ser encarado como uma forma de equilibrar os fluxos cósmicos em “catedrais cristalinas de vidro derretido”, como referiu um leitor da revista Surfer. Já no início de 1966, Rick Griffin introduzia referências sub-reptícias a drogas nas bandas desenhadas que assinava para a Surfer, o que deixou furiosos muitos dos principais anunciantes da revista. O estilo de vida aventureiro e sem limites tambémlevou a que muitos surfistas se tornassem traficantes de droga internacionais a tempo parcial. “Ou se estava dentro, ou se estava fora”, escreveu Drew Kampion, editor da revista Surfer entre 1968 e 1972. “Ou se tinha, ou não se tinha. Acreditava-se na gravidade ou no espaço. Era-se rígido ou flutuava-se. E havia tanta gente a flutuar.”

Depois de um breve namoro com a respeitabilidade convencional, a cultura surfística voltava a assumir as suas raízes de movimento alternativo ao poder instalado e isso não passou despercebido ao mundo exterior. No seu famoso ensaio de 1966, The Pump House Gang, o crítico da cultura pop Tom Wolfe escreveu que muitos surfistas “estavam a passar do surf para a guarda avançada de outra coisa, o mundo alienado e psicodélico da Califórnia”. A geração de jovens consumistas bem comportados que as empresas norte-americanas acarinhavam tinha dado o lugar a um bando de cabeludos janados, que não hesitavam em fazer um manguito ao materialismo.




O impacto econômico foi profundo. Nos anos seguintes, a maioria das princiapis lojas de surf perdeu clientes ou foi à falência. Na Surfer, as receitas de publicidade registraram uma quebra acentuada, a revista ficou mais peuqnea e a equipe editorial virou claramente à esquerda. Sob onovo regime radicalizado de Kampion, a Surfer tornou-se uma voz ativa da contracultura emergente, celebrando a paz, o amor livre, os tubos e o direito que todos os surfistas tinham de se colocar à margem e apanhar uma grande pedrada. Kampion, que criticava abertamente a maioria dos campeonatos de surf com artigos como “Carma negativo em Huntington Beach” e “A marte de todos os campeonatos”, procurou promover o surf como uma metáfora do equilíbrio cósmico em vez de se deixar seduzir pelos joguetes de marketing. Além disso, fazia campanha contra a escalada da Guerra do Vietnam, que arrancava os surfistas das praias a olhos vistos, e declarou guerra ao presidente Nixon, que se mudara para Trestles Beach em San Clement e mandava encerrar este excelente pico sempre que se instalava na “Casa Branca do Oeste”.


Grannis pertencia a uma outra geração e não se revia nesta nova atitude contestatória do surf. Em bom rigor, tudo aquilo lhe era indiferente. Este antigo combatente da Segunda Guerra Mundial, que tinha ajudado o seu bom amigo Hop Swart a organizar campeonatos para a recém-formada United States Surfing Ass., acreditava que a competição ajudava o surf a crescer como desporto e promovia a sua vertente com melhor aceitação social. Em 1968, Grannis publicou um editorial em defesa de campeonatos de surf de boa qualidade e justos, classificando os seus críticos de “fiteiros”, sem qualquer moral para se queixarem. “Nos últimos anos, não tem parado de crescer o número de artigos assinados por antigos surfistas, colunistas hawaiianos que nunca puseram os pés numa prancha, vendedores de calções ou editores frustrados armados ao pinga relho que tecem fortes críticas aos campeonatos”, escreveu Grannis. “O motivo pelo qual tanto criticam os campeonatos é porque eles próprios já não estão em condições de competir”.


Porém, no final dos anos sessenta, já ninguém ligava à maioria dos campeonatos e nem sequer os outrora famosos Surfer Poll Awards da revista Surfer atraíam as atenções. O mais parecido com um campeonato de surf de nível profissional era uma fantástica competição anticampeonato chamada “Expression Session”, em que os melhores surfistas exibiam as suas proezas sem juízes, pontos nem troféus. “Este foi o ano do desenvolvimento ou mesmo da invenção de muitas coisas: pranchas curtas, fundos em V, baby guns, quilhas flexíveis, curtas e concepção radial de pranchas em geral”, escreveu Kampion em 1968. “É raro o surfista que surfa com o mesmo estilo do ano passado”. Em jeito de resposta, Grannis escreveu um editorial no qual previa que o surf haveria de voltas às longboards e ao noseriding. Apesar da agenda política do mundo do surf, Grannis deixou de empunhar a sua máquina fotográfica para registrar em imagens os melhores surfias, tanto os que usavam pranchas compridas como os que usavam pranchas curtas.


O swell de 1969 tem sido encarado pelo mundo do surf como o final geofísico da década mais secessionista e turbulenta do surf. “Aquilo por que passamos em Dezembro de 1969”, recordou o lendário surfista dos anos sessenta Skip Frye muitos anos mais tarde, “... marcou de certa forma a transição do surf em longboards dos anos sessenta para uma época dominada por pranchas mais curtas. Foi como uma grande limpeza e, a partir dali, nada foi como antes”. Grannis considerava que o tamanho da prancha era uma questão meramente logística e conseguiu colmatar o fosso entre as duas gerações com a sua fotografia. “Eu fotografava surfistas e não pranchas”, diz Grannis, “Para mim, o modo de vida não mudou assim tanto.”

A última fotografia de surf de Leroy Grannis para a International Surfing foi publicada em 1971. No final dos anos setenta, reformou-se da Pacific Bell Telephone e mudou-se de Hermosa Beach para Carlsbad, na Califórnia, onde continuou a surfar e a fotografar. Durante mais de vinte anos, manteve as suas fotografias e negativos cuidadosamente organizadas em dossiês, que guardava em casa. Enquanto um pequeno círculo marginal de surfistas entusiastas transformava o seu modo de vida numa indústria global, uma década primordial da história do surf quase caiu no esquecimento.


Pioneiro do esporte e da respectiva fotografia, Grannis captou a histórai do surf num ponto decisivo da sua evolução e iconografia. Esta retrospectiva das fotografias de Grannis, que vai desde os grandes clássicos e fotografias inéditas encontradas no seu arquivo, convida os leitores a conhecerem um estilo de vida incialmente reservado a um punhado de praticantes e que se transformou numa indústria que movimenta quatro bilhões de dólares. Nos dias de hoje, marcados pela abundância de imagens captadas por fotógrafos de surf profissionais, a simplicidade elegante das fotografias de Grannis e o período que documentou abrem uma janela fundamental para o nascimento de uma cultura. “Eu era surfista e fotografava o que gostava de ver”, defende-se Grannis, com modéstia, “Suponho que se pode dizer que tive sorte."



Bibliografia: Leroy Grannis