25/10/2009

Leroy Grannis: Parte II

Os surfistas eram temas naturais para os fotógrafos e a imagem dos hawaiianos bronzeados cortando as ondas com suas pranchas, tendo como plano de fundo o vulcão Diamond Head, depressa se tornou um clichê em qualquer postal. A imagética do surf sempre foi criada, sobretudo, pelos próprios surfistas. Os fotógrafos de surf eram todos amadores autodidatas e nenhum deles viva da venda de fotografias. Tom Blake, um surfista e shaper pioneiro, construíram uma caixa estanque para a sua máquina fotográfica Graflex em 1929 e entrava no mar para fotografar os surfistas hawaiianos enquanto estes deslizavam com suas pranchas alaia de 12 pés (3.6 metros) nas ondas comrpidas e enroladas de Waikiki.


Ensinou fotografia a Doc Ball, que, por sua vez, teve uma grande influência na formação de Dom James e, mais tarde, Leroy Grannis. Ball era um fotógrafo talentoso, com um olhar dotado, e estava constantemente a experimentar ângulos novos e a construir protótipos de caixa-estanques, para levar as suas máquinas fotográficas para o meio da rebentação. Os cândidos históricos que tirou dos seus amigos e respectivas namoradas captaram o breve período tranqüilo de puro surf que se extinguiu pouco depois do ataque japonês a Pearl Harbor, no Hawaaii, em 1941.

Com o despontar da Segunda Guerra Mundial, o surf californiano registrou um forte declínio, pois a maioria dos jovens surfistas com mais de dezoito anos alistou-se nas forças armadas ou foi chamada a cumprir o serviço militar. Muitos jovens nunca voltaram. Apesar de recém-casado e de ter sido pai de uma menina em 1941, Grannis alistou-se nas Forças Armadas dos EUA dois anos mais tarde. Porém, quando concluiu o curso de piloto da academia, a guerra já tinha acabado, e foi dispensado em 1946. Regressando à Hermosa Beach, Grannis tornou-se engenheiro de telecomunicações e arranjou emprego como instalador de centrais telefônicas para a Pacific Bell Telephone (Grannis continuou a ser reservista da Força Aérea dos EUA e reformou-se em 1977, com a patente de major).


Nos anos que se seguiram à guerra, Grannis surfou esporadicamente, mas o trabalho e os seus quatro filhos consumiam-lhe cada vez mais tempo. No final de 1959, foi-lhe diagnosticado uma úlcera gástrica resultante do estresse tendo o médico encomendando-lhe um passatempo relaxante. A fotografia de surf parecia uma escolha óbvia, pois Grannis vivia pouca distância do mar e o seu filho adolescente, Frank, tinha começado a surfar há pouco tempo. Em junho de 1960, Grannis já tinha construído uma câmera escura em sua garagem e revelado algumas fotografias rudimentares, nas quais estava bem patente a influência de Doc Ball.



Nesse mesmo verão, com uma máquina fotográfica de 35mm originária da Alemanha Oriental, começou a fotografar os surfistas de 22nd Street em Hermosa Beach, uma praia de fundo de areia sem pico definido em South Bay, que atraía um grupo de jovens surfistas desejosos de serem fotografados. O líder incontestável do grupo de 22nd era Dewey Weber, que aos vinte e três anos já tinha entrado em vários filmes de surf e acabara de abrir a sua própria loja de pranchas em Venice Beach, não muito longe dali. Apesar de medir um pouco mais de um metro e sessenta de altura, Weber tinha muita garra e praticava um surf progressivo, motivando o resto do grupo, que incluía Henry Ford, Freddie Pfahler e Mike Suetell, a dar o seu melhor. No final de 1960, Grannis já tinha fotografado e revelado mais de duas mil e quinhentas fotografias.


A câmara escura de Grannis era a coisa mais parecida com um laboratório fotográfico expresso em South Bay e, numa altura em que as revistas de surf tinham uma periodicidade bimestral, os surfistas ansiavam por fotografias suas. “Às vezes, ia direto da sessão fotográfica 22nd Street para a câmara escura e, um instante, se juntava meia dúzia à espera de ver o que tinha fotografado. Depois, convidava-os a entrarem na câmara escura e o calor corporal tornava-se insuportável. Havia dois jovens, Tom e Don Craig, que vivam nas redondezas e vasculhavam o meu lixo, para ver se havia algo que lhes interessasse.”


Pela Pacific Coast Highway, na altura com duas faixas, Grannis demorava apenas quarenta minutos a ir de casa até Malibu, um pico de fundo de rocha desconhecido quando Grannis o surfara nos anos trinta, mas que em 1960 já tinha conquistado fama mundial. Graças às suas ondas perfeitas e também à aproximidade de Hollywood, “The Bu” tornara-se um local genuíno, que todos os verões atraíam a elite do surf. Embora já nessa altura houvesse muita gente dentro d’água a competir pelas ondas, no pico era possível encontrar estrelas do surf como Lance Carson, Johnny Fain, Mike Hynson e o lendário Dora, que dançava nas ondas com um estilo rápido e teatral que ficaria conhecido como hotdogging. A técnica fotográfica de Grannis, estava a melhor e vendeu as suas primeiras fotografias de Malibu à efêmera revista Reef, dando assim início à sua carreira na imprensa. Em novembro de 1961, Grannis fez a sua primeira viagem ao Hawaii, a Meca do surf da altura. Após fotografar ondas pequenas em Waikiki e Makaha durante duas semanas, foi para o mítico North Shore de Oagu. A sua chegada coincidiu com um grande swell e Grannis ficou abismado com a magnitude e a força das ondas hawaiianas. Com uma teleobjetiva de 650 mm, fotografou surfistas como Rick Grigg, Peter Cole e Phil Edwards aventurando-se nos vagalhões côncavos dos infames pico de West Bowl em Sunset Beach.


Grannis regressou à Califórnia com renovado fervor. Nos anos seguintes, triplicou a sua produção e começou a tirar fotografias para publicidade. Tribal e orientada para um mercado sem grandes recursos, a incipiente indústria do surf procurou encontrar no seu seio o design gráfico e as fotografias de que necessitava. Grannis não tinha experiência como fotógrafo comercial, mas resguardava-se em conceitos simples e inteligentes. A fotografia publicitária para Jacobs Surfboards que tirou de Ricky Hatch, um surfista de Hermosa Beach, vestido de fato e gravata e de sapatos calçados caminhando habilmente para a ponta da prancha, entrou para os anais da fotografia de surf. Em 1963, Grannis comprou uma máquina fotográfica subaquática Calypso (inventada por Jacques Cousteau e precursora de Nikonos) e tirou uma fotografia magistral de Henry Ford a executar um bottom turn perfeito em 22nd Street.


Porém, Grannis depressa descobriu que tirar fotografias de surf podia ser perigoso até mesmo para quem conhecia bem o mar. Certo dia, durante uma sessão fotográfica dentro d’água em Sunset Beach, no Hawaii, com a sua Nikonos, uma enorme onda do pico de West Bowl mudou inesperadamente de ruma para o canal, rebentando muito antes do que seria de esperar e encurralou Grannis no seu caminho. Quando olhou para cima, Grannis viu uma parede de sei metros de espuma e três pranchas de surf com mais de três metros projetando-se em direção da sua cabeça desprotegida. Mergulhou por baixo do turbilhão e conseguiu também salvar a sua preciosa máquina fotográfica. Mais tarde, com a ajuda do seu velho amigo Doc Ball, Grannis concebeu e construiu a sua primeira caixa estanque revestida a borracha com ventosas, que lhe permitia trocar o rolo e fotografar dentro d’água com lentes mais compridas e permanecer na relativa segurança do canal de Sunset Beach ou Waimea Bay durante horas a fio sem regressar à praia.


Em terra, Grannis adorava o distanciamento claro e eficaz que a teleobjetiva Century 1000 lhe proporcionava. Vistos a 800 metros de distância, os surfistas soberbamente enquadrados pareciam figuras heróicas numa arena ampla, como Sunset Beach. Porém, foi a sua dedicação ao ambiente que se vivia na praia que hoje preenche uma grande lacuna na memória coletiva do surf. A fotografia de Grannis, em especial do período compreendido entre 1960 e 1965, captou o surf num momento crítico de transição entre culto e cultura. À primeira vista, as fotografias parecem evocar a nostalgia de uma época mais simples e inocente, mas um olhar mais cuidado decerto se aperceberá de que Grannis estava a documentar a rápida evolução do surf para um modo de vida. As suas fotografias capturavam a verdadeira essência das coisas, proporcionando uma ponte entre o mundo das letras das músicas dos Beach Boys e a realidade do ambiente das praias da Califórnia do Sul. A linguagem do surf, a música do surf, a arte do surf, a imprensa do surf, a moda do surf e todos os elementos básicos que atualmente se consideram parte integrante da cultura do surf moderna foram concebidos ou codificados durante este breve período. Grannis foi um dos poucos fotógrafos de surf a afastar a sua objetiva das ondas, para captar todos estes elementos.

Em 1964, depois de uma viagem ao Hawaii repleta de êxitos, Grannis associou-se ao futuro magnata do vestuário de surf Dick Graham e, juntos, fundaram a revista International Surfing (mais tarde, o título foi abreviado para Surfing e continua a ser a segunda revista de surf mais antiga de surf do mundo). Grannis tornou-se editor de fotografia, editor adjunto e fotógrafo principal, cargos que acumulou com o seu emprego a tempo inteiro na Pacific Bell Telephone. Todos os fins-de-semana ia diligentemente fazer a cobertura dos infindáveis campeonatos amadores e de clubes e, com isto, captou a adolescência desajeitada de uma geração de surfistas, que hoje são autênticas lendas. Como muitos tinham a mesma idade do seu filho adolescente, adotava muitas vezes uma postura paternal face aos seus motivos fotográficos, tirando retratos com uma candura que contrasta com uma reticências que um homem de meia-idade poderia ter ao pedir a estranhos para posarem para uma fotografia. Entre os seus mentores e colegas fotógrafos, Grannis optou por uma posição clara que se situava entre a arte e o fotojornalismo. As suas fotografias estavam bem enquadradas, focadas e tinham uma profundidade de campo generosa, o que dava tempo a quem as via de contemplar o ambiente que nelas se vivia. O uso que fazia das películas de baixa velocidade e grão fino, com uma exposição exemplar e meticulosamente revelada, possibilitava ampliações ricas em pormenores. “Para mim, havia fotografias de Grannis uma textura que as transportava para outra dimensão”, afirma Brad Barrett, fotógrafo e editor de fotografia da revista Surfer entre 1968 e 1973.

No início da década de 1960, contavam-se pelos dedos de uma mão os fotógrafos de surf norte-americanos que publicavam as suas fotografias e, à exceção de John Severson, todos exerciam esta atividade a título de passatempo. Porém, cada um deles tinha um estilo bem definido e um ruma próprio. Severson, um antigo professor das artes, privilegiava uma estética despojada e bebop para as suas fotografias. Ron Stoner preferia tons quentes e lustrosos, assim como perspectivas mais intensas e românticas. Ron Church era fotógrafo industrial de carreira, com uma excelente técnica e que possuía máquinas subaquáticas muitos avançadas. As suas fotografias a preto e branco tinham um caráter heróico, mas eram representações por vezes muito frias dos deuses do surf. Grannis, por seu turno, era surfista e sempre vivera na costa, o que se refletia nas sua fotografias, caracterizadas por um imensa genuinidade na representação do ambiente do surf.

12/10/2009

Leroy Grannis: Parte I


Que atire a primeira pedra quem nunca viu sequer alguma foto do não menos importante Leroy Grannis. Tenho o grande prazer em transcrever à vocês um dos vovôs sobreviventes do nosso glorioso esporte. Eis homem que devemos tanto aproveitar sua terceira idade ainda a todo vapor, quanto estudar suas fotos que marcaram muita nostalgia. São poucos surfistas que passaram de tanta transição cultural como este, somando a curiosidade dos meus queridos leitores, além deste ter passado por essas transições ele as registrou: das grandes redwood planks às pequenas e traiçoeiras shortboards. Venho à presença de vocês, transcrever do livro de fotos simplesmente chamado Leroy Grannis, a vida dele. Este livro é de difícil acesso brasileiro, pois em meados de 2007 estava eu dando uma volta em uma livraria da ilha mágica de Florianópolis quando eu avistei um livro muito grande de surf na prateleira mais alta da loja, a regra da livraria não poderia proibir os clientes em ter uma “palhinha” dos futuros produtos. Quando pedi para um funcionário me pegar aquele dito livro para eu dar uma folheada ele apenas me advertiu, “Bom senhor, este é o livro mais caro da loja, por favor, tenha cuidado”. Eu pensei logo em seguida, “Que droga, de tantos livros de autores famosos, artistas, geografia, romancistas que existiam naquela livraria, logo o livro o mais caro seria o único livro de surf?!”. Fez jus ao preço, R$ 1.400 reais juntamente com o seu autógrafo e 274 páginas. Folheei com tanta cautela que quem me via, me confundiam com um paleontólogo achando um fóssil no meio do deserto, não contive as lágrimas. Entre outros meios, consegui o dito cujo e saboreei-o como o tal paleontólogo, eis o que descobri:



“A revolução foi imortalizada a preto e branco, numa tarde de domingo, no especo de 1/250 de segundo, 2 de outubro de 1966. Campeonato mundial de surf, Ocean Beach, San Diego. Quarenta mil espectadores enchiam a praia e o recém-inaugurado pontão de Ocean Beach. No preciso momento em que Robert ‘Nat’ Young, com dezoito anos de idade, ergueu o troféu com a forma da Califórnia sobre a sua cabeça, havia mais de trezentos e quarenta mil soldados americanos em Vietnam, Brian Wilson estava prestes a lançar a sua obra-prima ‘Good Vibrations’ e o LSD continuaria a ser legal por mais três meses. As pranchas de surf tinham, em média, dez pés e meio (3,2 metros) e pesavam quatorze quilos. Nat Young era então o campeão do mundo. E o mundo do surf acabava de assistir a ima viragem silenciosa de 180º.


Young, um jovem australiano alto e impetuoso, tinha ao seu lado no pódio o amável hawaiiano Jock Sutherland e Corky Carrol, um gênio californiano das ondas pequenas. Um punhado repórteres da imprensa regional e nacional, entre os quais jornalistas da Newsweek e do The New Yourk Times, digladiavam-se para conseguir chegar perto dos vencedores. Leroy Grannis, o único fotógrafo com contrato da revista International Surfing, manteve-se à beira da multidão, contornando-a e tirando fotografias com a sua máquina fotográfica Pentax S, corroída pelo sal. Num momento fulcral da cerimônia, focou a sua objetiva sobre Nat Young que, em júbilo, exclamou: ‘Sinto-me nas nuvens!’.

Apesar das emoções ao rubro na praia, Grannis demonstrou uma contenção estóica. Para ele, este acontecimento era tão-só o culminar de um ano de fins-de-semana a fotografar campeonatos de clubes em várias praias da Califórnia do Sul. Grannis, que então contava quarenta e nove anos, era fotógrafo de surf há seis e praticava surf há três décadas e meia. No fim-de-semana seguinte, o mais provável era estar em Malibu ou Huntington Beach para outro pequeno campeonato regional e o processo de qualificação para o campeonato mundial de surf começaria de novo.
Leroy Grannis deu os primeiros passos como fotógrafo de surf no final de 1959, mas não pretendia fazer desta atividade uma profissão ou arte. Era apenas mais um homem de família de meia idade, que procurava um passatempo para reduzir o estresse de sua profissão. Por sorte, pegou na máquina fotográfica numa altura fulcral da história do surf. Nascido em Hermosa Beach, na Califórnia, em 1917, Grannis era um herdeiro da tradição do surf da Costa Oeste, com as suas pranchas de madeiras de sequóia, e testemunha de uma época em que uns escassos duzentos surfistas da Califónia deslizavam com enormes pranchas de onze pés (3.3 metros) nas ondas pouco cavadas de San Onofre e Palos Verdes Cove, com dignidade e cavalheirismo – realmente, cavalheirismo era a palavra exata para a dança surfística da época. Foram a primeira geração de surfistas do continente a aderir a este ancestral desporto, recém-exportado pelos hawaiianos George Freeth e Duke Kahanamoku, e também fizeram parte do renascimento do surf, que foi iniciado por um punhado de hawaiianos em Waikiki no final do século XIX.

Grannis cresceu a um quarteirão do mar, em Hermosa Beach, e começou a surfar aos quatorze anos com uma prancha de madeira emprestada, que pesava quase quarenta e cinco quilos. Foi nesta praia, onde deslizava nas ondinhas que rebentavam por baixo do pontão de Hermosa Beach, e John ‘Doc’ Ball. Um afável estudante de medicina dentária na Universidade do Sul da Califórnia, que era dez anos mais velho do que Grannis. Os três tornaram-se amigos para a vida.

Doc era um surfista experiente e não tardou à convencer os adolescentes Grannis e Swarts a enfrentarem as ondas mais encrespadas de Palos Verdes Cove, oito quilômetros mais ao sul. Esta praia era como uma segunda casa para um grupo zeloso de surfistas dedicados, na sua maioria jovens de vinte e poucos anos sem emprego, que estavam à espera de vencer a Grande Depressão em um grande estilo, mas com pouco dinheiro. Este grupo auto-dependente construía as suas próprias pranchas, fazia os seus próprios calções de surf e os poucos tostões que os jovens conseguiram reunir eram gastos em gasolina, (e, por vezes, numa garrafa de vinho barato) para viagens à Malibu ou San Onofre. Muitos deles eram também mergulhadores experientes e, não raras vezes, apanhavam autênticos banquetes de lagosta e bivalves nas piscinas formadas pela maré.




Em 1935, Doc fundou o Palos Verdes Surfing Club (P.V.S.C.), e no ano seguinte, convidou Swarts e Grannis (que entretanto recebera a alcunha de ‘Granny’) a juntarem-se ao grupo.

Esta famosa foto de Grannys que mostra Dewey Weber

em um momento imortalizado pelo momento

06/10/2009

Um presente

Um presente para todos os apaixonados do mundo do surf. Um vídeo que faz arrepiar até mesmo os mais insensíveis. Blue Horizon, em seu extra, captou integralmente o "feeling" desta época dourada.




"But somehow I know it won't be the same
Somehow I know it will never be the same"


Referência: Blue Horizon